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Era dez de novembro, eu lembro, o chão estremeceu...



Era dez de novembro, eu lembro, o chão estremeceu... 

Faz pouco mais de um ano, mas quando me lembro ainda me falta ar. Ela havia chegado do hospital há pouco tempo. Foram uns dois dias bons, até parecia que as coisas iriam voltar ao normal. Tivemos um bom final de semana, pessoas queridas que vieram visitá-la. A segunda foi cheia, tivemos várias pessoas em casa. A noite estava divertida, comemos uns biscoitos, rimos de umas situações. Eu realmente não esperava. 

Tínhamos acabado de passar por um longo período repleto de más notícias, clinicas, consultas, hospitais, cirurgias, brigas com o seguro saúde... Por muito tempo nossa respiração tava suspensa, fazia pouco tempo que tínhamos voltado a respirar. Não esperava que aquilo pudesse acontecer, principalmente naquela noite. Tinha sido um dia bom. Eu realmente não esperava.

Eu já estava no meu quarto, no computador, como de costume. Ela veio até mim, com os olhos arregalados, olhos estes, que eram tão grandes quanto os meus são. Apavorada, reclamou que havia levado um "choque" do desfibrilador interno. Tentei acalmá-la falando que era normal, mas que eu só ia me vestir pra gente ir ao médico. Antes que eu terminasse de me vestir, UM GRITO. Saio correndo, ela tá no chão, convulsionando. Haviam mais pessoas, mas todo mundo entrou em pânico.

Eu tentei proteger a cabeça dela enquanto o socorro não chegava. O socorro chegou, a massagem cardíaca durou uns 40 minutos, eu tinha certeza de que estava dando certo, me recusava a acreditar no que estava acontecendo. Mais tarde conclui que só eu e o paramédico, que fazia a massagem, achávamos que estava dando certo, depois ouvi a outra paramédica explicar que o que ele estava ouvindo era o marcapasso e não o coração. 

Naquele dia, eu perdi um parte do meu coração. O último suspiro dela, nos meus braços, foi a coisa mais triste pela qual já passei. Aquele foi o dia mais triste da minha vida! Quando lembro, me falta ar. Mas morrer também é burocrático, há muita coisa a se organizar. Sinceramente, não me importei em cuidar das coisas, afinal, era o mínimo que eu poderia fazer por uma das pessoas que eu mais amei na vida. E minha mãe, que era a pessoa mais próxima da minha tia, não estava em condições para tratar desses assuntos.

Reconhecimento, escolher o que precisava ser escolhido... não eram nada, se comparado ao último suspiro em meus braços. Então, na falta de alguém próximo, em condições para lidar com aquelas questões, fui eu mesma, e tentei fazer como eu achava que lhe agradaria. Pra mim, cuidar de todas aquelas coisas, e fazer com que saísse como ela queria, era minha obrigação.

Os preparativos para o velório, os tramites legais, o dia seguinte, o enterro... nada disso, doeu tanto quanto aquele último suspiro em meus braços. Porque embora não quisesse acreditar, eu sabia o que estava acontecendo. De repente, era como se eu assistisse o que acontecia, talvez pelo sonho de semanas anteriores, não sei. 

Eu havia perdido uma das pessoas que eu mais amei na vida, e fui o mais forte que consegui, isso na tentativa de proteger a outra pessoa que eu mais amo na vida. Eu fiquei orgulhosa por ter sido forte, agi como minha mãe agiria se não tivesse destroçada, por já ter passado por muitas situações como aquela. E pela incrível proximidade que as duas tinham.

Muitas pessoas falavam comigo, o dia seguinte foi gigante, tentamos fazer um velório curto, como ela queria, mas aquele dia durou pelo menos um mês. Eu não tinha dormido e nem comido desde o último suspiro. E a coisa que eu mais lembro sobre o que as pessoas vieram me falar, foi de como eu deveria ter um irmão mais velho, ou ter chamado meu pai (que já nem é casado com minha mãe), para cuidar das coisas que eu cuidei, "porque eram coisas de homem". Me falaram também que é nessas horas que a gente percebe como um homem na família faz falta.

Posteriormente ouvi que eu era muito estranha, fria e que chorei pouco. O último suspiro em meus braços me levou parte do coração, me deixou em pedaços, foi o dia mais triste da minha vida. Eu tentei ser forte, para que nada pior acontecesse, devido a saúde frágil de outra pessoa amada. Mas sentiram falta de fragilidade e mais lágrimas. Meu coração continua em pedaços, ainda me falta ar, EU REALMENTE NÃO ESPERAVA.



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