Pular para o conteúdo principal

Texto: Parem de culpabilizar as vítimas e romantizar a violência

Créditos da imagem: Núcleo de apoio às mulheres que dizem basta.

Há uns dias, vi um post numa rede social, que me fez refletir bastante. Era um desabafo de uma mãe indignada, pois ao levar ao hospital, sua filha de quatro anos, que fora agredida por um colega de escola, um homem da recepção falou para menina "Aposto que ele gosta de você", em referência ao menino que a havia machucado. Provavelmente a intenção deste homem foi de acalmar a menininha machucada. Mas isso na verdade é romantizar agressão, e implica em graves consequências, e o post da mãe, foi para problematizar tal questão.

Vendo o post, lembrei de quantas vezes ouvi isso. Quando criança e até mesmo adolescente, ao reclamar de agressões verbais ou físicas proferidas por garotos, diversas pessoas me falavam que eles faziam isso por gostarem de mim. Daí, nós mulheres crescemos ouvindo isso. E no final das contas, todo mundo fica boquiaberto com a mulher que não consegue sair de um relacionamento abusivo, porque acredita que aquele que prática violência, psicológica, moral ou física, o faz por amor.

Confesso que durante muito tempo culpabilizei mulheres que sofrem violência doméstica, como se parte da culpa fosse delas, por não conseguirem sair de um relacionamento abusivo. Antes eu pensava que embora ser vitima independia da contribuição da pessoa, mas permanecer como vítima estava diretamente ligada a inércia da pessoa que fora vitimizada.

Meu pensamento era bastante limitado e até um pouco infantil, de certa forma achava que todas as pessoas eram capazes de agir apenas com racionalidade. Por exemplo, achava que se alguém era maltratado, tinha a obrigação de se defender/se afastar, e se não o fazia estava contribuindo para um cenário em que sofreria mais. Hoje enxergo o quão escroto e superficial era esse meu pensamento, justo eu, que sempre me enxerguei como alguém cabeça aberta, tinha uma visão muito limitada e até cruel para uma questão tão delicada.

Certa vez, estava assistindo há um documentário sobre violência doméstica, e fiz um infeliz comentário com uma colega, falei que as vitimas eram escolhidas por serem vulneráveis, de maneira que que a pessoa agressora sabia que não seria deixada nem denunciada. Daí essa colega, me respondeu que eu estava errada, que ela mesma já foi vitima de violência doméstica. Ela, uma mulher forte e independente, que durante um bom tempo não conseguiu se livrar daquele relacionamento abusivo, e que chegava a se culpar pela violência sofrida, como se a culpa não fosse da pessoa com quem ela se relacionava romanticamente e a agrediu, e sim dela, por tê-lo irritado a ponto de agredi-la. Ela também me explicou que na época ela acreditava que ele a agredia por amor. 

Minha cara caiu no chão, só aí me dei conta, que claramente ainda estava culpabilizando as vitimas. Que vergonha! Mas desconstruir pensamentos que estão internalizados, é algo muito difícil. Tanto para as pessoas que aprenderam a associar amor a violência, tanto para aquelas que culpabilizam as vitimas.

As vezes no trabalho, chegam casos que parecem ser simples "Ações de divórcio", mas na verdade são casos mais complexos e envolvem mulheres que sofrem violência doméstica, e isso muda o cenário, pois exige a tomada de medidas cautelares, para resguardar a integridade física da pessoa violentada. E a parte mais difícil é que a pessoa que sofre violência, nem sempre está disposta a contar isso para seu advogado, não sei se por simplicidade, ao achar que não há medidas especificas para casos assim, ou mesmo por vergonha.

Enfim... Não dá para ajudar as vitimas (enquanto você as culpabiliza). Muito menos, ficar boquiaberto com a vitima que não consegue sair de um relacionamento abusivo, porque acredita que aquele que prática violência, psicológica, moral ou física, o faz por amor (enquanto você vive a romantizar a violência).




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FILMINHO: Histórias Cruzadas (Título original The Help)

Amo filmes, embora seja apaixonada por suspense e terror, me identifico com os mais diversos gêneros. Drama está entre os meus preferidos, o problema é que já tenho vocação para o melodrama, "chorar largada", ser melindrosa mesmo, por isso costumo evitar o gênero. Não gosto de ir no cinema por inúmeros motivos, tais como se der vontade de sair você perde uma parte do filme, as pessoas não sei poque "cargas d'água" costumam interagir com o filme (como se estivessem em casa vendo TV com a família), sempre tem um fiozinho de ouro para ter uma comida com o saco barulhento, também costumam ter também casais muito quentes que não entendem que estão em público e etc.  Minha prima que carinhosamente chamo de Monstrinha me indicou um filme, que felizmente não estava mais no cinema. Vi de casa mesmo, o que já começa bem, tenho até mais boa vontade com o filme quando posso ver em casa.  O filme em questão é o  Histórias Cruzadas (título original The Help), é um d...

SE TOCA MENINA!

SE TOCA MENINA, sente-se da maneira que achar mais confortável. SE TOCA MENINA, seu corpo, suas regras! SE TOCA MENINA, Você não precisa ser mãe (essa não é sua  função no mundo). SE TOCA MENINA, se você for mãe, que seja por ESCOLHA sua. SE TOCA MENINA, não estar em um relacionamento não te torna uma "pessoa fracassada" (pessoa fracassada entre aspas, pois, por si só, considero essa expressão problemática, mas aqui cabe, transmite a mensagem). SE TOCA MENINA, Seu corpo não precisa ser igual aos das revistas. SE TOCA MENINA, Valorize suas particularidades. SE TOCA MENINA, Não deixe que seu corpo, sexualidade ou independência sejam demonizados. SE TOCA MENINA, Seu corpo, suas regras e seu prazer. Se toca menina, se toca menina, SE TOCA!!!

SÉRIE: Adorável psicose

" A vida é um tédio Dra. Frida. A vida é um filme do Leste Europeu, com uma trama minimalista e arrastada, dirigida por um cineastra aclamadíssimo, que eu não sei o nome, porque eu não sou culta o bastante. E no final da sessão, os pseudointelectuais discutem qual é o sentido do filme, o que o cineastra quis dizer. E o que ninguém sabe é que o cineasta não quis dizer nada, NADA Dr. Frida, ele tá é rindo da nossa cara, porque ele sabe que o filme é um saco e que não tem sentido nenhum. A vida é isso e eu quero o meu dinheiro de volta." O vídeo é um trecho do seriado "Adorável psicose", uma série brasileira e exibida pela Multi Show. Nela a protagonista Natalia  é uma jovem que acha dilemas em todos aspectos da sua vida, para ela o dia a dia é mais complicado do que para as outras pessoas. Por isso, ela decide procurar tratamento com  Dra. Frida (uma psicanalista que precisa de mais tratamento que seus pacientes). Os episódios em sua maioria, giram em ...